domingo, 2 de janeiro de 2022

Kintsukuroi.

E aquele estardalhaço todo, lembrava panelas caindo no silêncio da madrugada. Foi alto, claro, tão forte. Aquele estampido todo. Claramente era algo quebrando. Mentalmente, ao pensar em algo quebrando, me vinham imagens sonoras de copos caindo. De coisas explodindo. Vidro. Argila. Plástico. Todos fadados ao desgaste. A quebra. Mas ele poderiam ser implodidos de fora. Quebrados por algo ou alguém. Que objeto direto e indireto poderia destruir a unidade de um objeto? São tantos. E no meio de tudo isso, o homem insere-se em cânforas e em objetos. Ele materializa o invisível e impalpável sentimento, em coisas físicas. E assume uma dor como algo se quebrando no interior do ser. Encara decepções como algo se partindo dentro do peito. Escreve coração quebrado para mágoas. Realmente estamos nos quebrando? Em quantos pedaços? Vai dar para consertar? É essa pergunta que me faço todos os dias. Quantas coisas quebradas em nosso interior. Quantos estardalhaços, panelas, copos... Quantas coisas quebram em nossos corpos? Não falo de ossos, não falo de articulações. Falo das dores. Das mágoas. Das nossas percepções de nós mesmos. Essa, meus caros, creio que seja a pior da dores. Independente dos corpos e das companhias, quem recebe o peso do ser no fim da noite, é o seu travesseiro. Você com você mesmo. E esta, creio que seja um dos duelos mais difíceis a serem travados. Mas precisamos materializar as coisas. Então as dores assumem um peso, talvez em quilogramas, talvez em decepções. As lágrimas se configuram em um enxurrada que lava, assoreia o leito dos olhos, já secos, desprovidos de emoção. Já se foram todas. O peito está cansado do esforço do chorar. Damos voltas e mais voltas, querendo aferir beleza e poesia às dores, acreditando que a letra da música foi feita para você, que o poema traduz instantaneamente o que se sente, o visceral, inaudível e profundo. Do tipo que faz um alvoroço, bagunça a barriga, enfraquece as pernas. E os copos vão caindo. Tal qual dias de vento forte. Cada coisa que foi depositada em urnas, é quebrada e espatifada, assim, de qual quer jeito e sem menor cuidado. Adiantou ter guardado? Era melhor ter deixado vazio? Perguntas inúteis de serem feitas, quando os cacos brilham pelo chão. Refletem a materialização (de novo) da quebra. Mas isso tudo foi dentro do ser. Não foi em um bar, não foi em um restaurante. Foi dentro de mim. O estampido forte no peito e a sensação do coração a pulsar na têmpora. Há dinamite sendo implodida de dentro para fora. Em quantos pedaços irei me despedaçar? Dá pra juntar? Colar? Estou quebrado, não ossos, não articulações. Estou quebrado em espírito, no invisível e imensurável. Não sei mais quantas metáforas ainda possuo em meu arsenal para demonstrar isso. Não sei se há remendos. Há quem diga que uma cola dá certo. Uma tinta dourada, e estarei novo, um kintsukuroi bonito. O orgulho das cicatrizes. Mas as dores ainda estão ali. As minhas percepções foram-se nas lascas perdidas com o tempo. Não sei se verei beleza na tinta ouro.  Ela irá amenizar o peso de minhas dores, no travesseiro? Quando for você com você mesmo. Com o peito cansado do chorar.
Quantas coisas mais ainda estão quebradas dentro de mim?

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