terça-feira, 11 de janeiro de 2022

salle de miroir.


(...) e de repente, lá estava, diante de todas aquelas superfícies, que me devolviam aos olhos, todas as diferentes formas de me ver. Estavam lá, todas diante de mim, sem nenhuma necessidade de correr atrás delas. Era só começar a andar e reconhecer e me reconhecer. Em cada parede, uma diferente face, mas em todas a minha. Eu acho que já vi esse filme antes. Aí viro a esquina e deparo com uma versão alta de mim, uma versão esguia, magra, e a medida que me afasto vai se tornando mais e mais esquálida. Era uma versão fina de mim, uma versão mais magra. Parece tão nova, tão fraca. Ainda posso sentir o cinto dar mais de uma volta, nos cós das calças. E quando mais me afasto, mais longe e longe isso vai ficando, como se eu a estivesse deixando para trás. E o cinto começou a dar menos voltas. Mal tive tempo para reparar nisso, e de repente estava em um sala, onde era gritante a cena que se podia ver. Era um rosto, vermelho. Os olhos eram fundos, as olheiras saltadas. Os olhos injetados em um vermelho, eram distoantes e quase brilhavam na penumbra. O que se havia perdido, o que havia gerado um desaguar contínuo de águas naqueles olhos? Tão novo, tão cedo. Aqueles que sem saber, se jogam nisso, mal imaginam que essa dor que vem e que parece nunca ir embora, vai embora mais rápido de quando ela chegou. E do nada, o cômodo se estreitou e pareceu subir, e você já começa a falar de coisas que aconteceram ontem, como se elas fossem há muitos anos. Nas paredes, as fotos começam a dançar entre tons amarelados e a se grudarem nos vidros, e você percebe que o escorrer fino e contínuo do tempo, pelos seus dedos. Eu acho que já vi esse filme antes. A armadura já começa a dar os primeiros sinais do correr dos anos, e após a dificuldade inicial de ficar em pé, no início da existência, a dificuldade agora é ver o que se mantém em pé. Como rocha talhada ao longo de anos pelos ventos e pela água, os rosto vem sendo esculpido e rasgado por rugas e depressões, que gritam a cada imagem refletida em espelho, e com tons brancos em fios, vem te contar que os dias passam. Os olhos afundam-se em deitam em bolsas de pele, que escurecem-se com as dores, com as dívidas, e problemas e a dor de crescer. Esse filme eu já vi antes. E de repente, lá eu estava, diante de todas as superfícies que me devolviam aos olhos, todas as minhas formas de ser. Quem é esse refletido, quem é essa imagem. A progressão de dores, a soma das doses, o resumo das quedas, o brilho fraco de quem se agarra aos últimos botes salva vida. Sou eu. Esta é minha imagem. Não preciso entrar em uma sala de espelhos que deformem visualmente minha aparência. Eu já estou deformado e atingido o suficiente. Mas este filme ainda não acabou. É tempo de lavar o rosto e sentir o espelho embaçando. Um novo eu irá olhar amanhã um reflexo de tudo o que foi. O que é. E o que virá a ser. Não como nos filmes. Nem de longe.

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