segunda-feira, 15 de abril de 2019

sur les drogues.


desceu macio, desceu deslizando, tal qual uma pílula pequena, tal qual essas que a gente ingere quando se está doente de qualquer uma dessas doenças comuns que achamos que iremos nos curar nos automedicando. foi tão leve. nem pareceu aquele esforço que fazemos para engolir a seco, quando não se tem nada a dizer. ou quando se tem tanto a dizer, mas não se consegue. quando se tem tanto fardo, tantas coisas para se falar, mas não se sabe por onde. que quando começa a se estabelecer um fluxograma mental, tudo se perde. tal qual se entrar em um labirinto com uma corda. e perder ela em tal momento. mas me lembrei, que foi tão suave engolir essas palavras, que se eu as tivesse falado! ah, se eu tivesse falado! fico no ônibus, cabeça grudada na janela, vento arranhando meu rosto, me fazendo sentir mais sangue no rosto, e me pego lembrando: nossa, era para ter dito isso. ah, se eu tivesse feito isso. o que aconteceria se. se. e somente se. mas acredite, desceu macio, desceu deslizando, e dessa vez, já estava mais acostumado. engolir palavras não é fácil. não é um sorvete. mas algumas são tão boas. viciantes. dá até um orgulho quando as colocamos para fora. um alívio, chegando até mesmo um orgasmo. consegui falar. consegui colocar para fora. quase um ato pornográfico. uma obscenidade. consegui aguentar por tanto, e agora é hora de tirar todos os tapumes que vedavam as visões desse prédio que construí em minha cabeça e de certa forma materializei. porque eu sei, que tudo isso foi tão suave, tão macio, tão deslizante. assim foi na minha cabeça.como uma pastilha que se desmancha na boca. suave. aos poucos dá pra sentir o gosto na boca. arranhando a garganta, forte e em fluxo, tal qual a tragada de um cigarro. e tal qual fumaça, desliza suave. como cada palavra, cada gesto, cada ação, cada intenção que imagino. cada fluxograma que estabeleço se perde, se desmancha, macio, deslizando, dente por dente, mastigável, ingerido, digerido, repensado. quando se está doente, e se busca saber qual a causa da doença, busca na internet, em livros. se que saber a origem, a causa e a situação. eu não sei a origem, causa, situação desse gosto agridoce, ácido, doce, estranho, seco, estalante de tudo o que sinto. de todas as ideias, de todo o fluxograma, de todo o labirinto. minha cabeça ainda está grudada na janela, e ainda estou sentindo. além do gosto tinto e roxo desse vinho, da fumaça seca, tem um gosto a mais. de algo guardado. de algo imaginado. algo macio, algo que desliza, tal qual uma pílula pequena, que a gente insere no corpo para acordar de algum frenesi que a atualidade nos impregna. que nem estivesse diante de drogas. me automedicando.

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