terça-feira, 23 de abril de 2019

sable et eau.



e abri os olhos e dei me conta de que estava só. só e somente no silêncio, e o deslizar suave da brisa na areia, e todos os ruídos noturnos que você só repara quando se está só. o atritar dos grãos na areia e o barulho contínuo da maré batendo na areia. lavando ou desgastando, levando e trazendo. as certezas e as dúvidas, onde era o início e como foi que se desenvolveu. a abri os olhos e percebi que não estava mais só. de repente, éramos nós. mas não pedi nada, não quis que você viesse. eu estava em paz quando você chegou. e de repente, a maré agitou-se, tudo ficou conturbado. turvo e misturado. tal qual jogar areia em um copo de água e sacudir, nada você conseguirá ver através. tal qual eu tentando entender essa chegada, conturbada, repentina, sorrateira, que sem eu pedir, invadiu minha ilha. eu deixei? será minha culpa? baixei a guarda? o que deixei de fazer? o que eu fiz? e de repente, os barulhos tão meus conhecidos, deram espaço a uma outra respiração, a um calor estranho, porém, aconchegante. todos os barulhos noturnos foram se tornando costumeiros, habituais, e do nada, abri os olhos, e vi que você estava do lado da fogueira que acendi. e a bela natureza conspirando: coloca logo sua lua mais cheia, a maior e mais brilhante, e tingiu o céu de um véu espesso e mais negro o possível, salpicando todas as estrelas, que podem. a maré se acalmou, mas ainda não sei o que pode vir com ela. e ainda não sei se ela está me lavando, me levando, me desgastando ou me polindo. fechei os olhos e sua mão estava em meu ombro. como se dissesse, que lugar é esse. não se vai agora. agora estamos aqui. mas antes de você era só silêncio. eram só os grãos correndo sem rumo pela praia. agora eles esbarram em nossos corpos, que estão a admirar o empurrar-puxar da água. tentando entender. e ao mesmo tempo sem entender. mas a água e areia começam a se entender. a areia começa a decantar. e começo a enxergar através do copo. eu não tinha pedido nada. não percebi e de repente, já havia me misturado. eram nossas águas, nossos grãos. nossos corpos, que de repente, se misturavam, e agora éramos um grão, só, a se deslizar na areia. em comunhão com o mundo. e abri os olhos, e percebi que não estava mais só. não existe mais silêncio. nossas vozes perfuram o vento, e a brisa rasga nossa garganta. e o tudo se é possível de se reparar, agora. as certezas, as dúvidas, como e onde começou, e dissolveu de uma maneira tão simples. nem pedi. nem esperei. nem imaginei. só e foram, levadas e puxadas pela água. e como ela se deita e se levanta na areia, se mistura, e com ela vai e volta, era isso de repente. nos apoiávamos um no outro, nos misturamos. fomos e voltamos. ainda somos o copo cheio de água e areia. mas agora vejo tudo mias claramente. porque abri os olhos. e lá estávamos. nós, água e areia. lavando ou se desgastando, levando e trazendo. existindo. sendo. sem buscar uma definição. só ouvindo o arranhar da ventania sobre a praia. eu deixei. eu baixei a guarda. e assim, a ilha foi habitada. e assim nos habitamos. o caos trouxe isso. e a fogueira ainda está acesa. e meus olhos abertos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário