terça-feira, 23 de abril de 2019

de fumer.


trago no peito uma vontade. trago no peito um desejo. e de repente, com fogo, selado, assim foi. respirei e ainda estava lá, dançando em pleno ar, fazendo vários S. indo e serpenteando. a vontade não passou, tampouco o desejo. qualquer coisa que tire esse seco da boca, traga agora. porque ainda trago muita coisa que me faz franzir as sobrancelhas. que é tudo isso mesmo hein? que é tudo isso que trago. que são tudo, no final, palavras que não foram ditas. decisões que não fora, tomadas. ações que não foram executadas. planos que não foram levados a diante. e toda a efemeridade de cada momento tem a volátil duração da suspensão de fumaça no ar. a fumaça que ainda trago, a vontade que ainda trago, o desejo que ainda respiro. as deias vagando em pleno ar, deixando seco na boca, serpenteando em busca de cavernas seguras na mente. que é tudo isso que arde, com fogo que foi aceso?  a chama ainda está dançando, fazendo vários S para lá e para cá. e a lembrança do que não foi se reanima, e o lampejo do que poderia ter sido troveja na cabeça. mas inspiro e trago tudo de uma vez e solto. o tempo que durar essa fumaça no ar, subindo, saindo fina e se expandindo, é o tempo que terei para dizer as palavras não ditas antes, tomar as decisões que foram procrastinadas, executar as ações não executadas antes, levar adiante os planos... não, sem planos. não planejei tragar nada, e aqui estou. com uma tragada, e o peito cheio de vontade. mas já ela vai passar. serpenteando, indo e vindo, como vários S no ar. volátil, mas que impregna. forte e suave, ao mesmo tempo.
eu gosto de ver a fumaça dançando no ar.

sable et eau.



e abri os olhos e dei me conta de que estava só. só e somente no silêncio, e o deslizar suave da brisa na areia, e todos os ruídos noturnos que você só repara quando se está só. o atritar dos grãos na areia e o barulho contínuo da maré batendo na areia. lavando ou desgastando, levando e trazendo. as certezas e as dúvidas, onde era o início e como foi que se desenvolveu. a abri os olhos e percebi que não estava mais só. de repente, éramos nós. mas não pedi nada, não quis que você viesse. eu estava em paz quando você chegou. e de repente, a maré agitou-se, tudo ficou conturbado. turvo e misturado. tal qual jogar areia em um copo de água e sacudir, nada você conseguirá ver através. tal qual eu tentando entender essa chegada, conturbada, repentina, sorrateira, que sem eu pedir, invadiu minha ilha. eu deixei? será minha culpa? baixei a guarda? o que deixei de fazer? o que eu fiz? e de repente, os barulhos tão meus conhecidos, deram espaço a uma outra respiração, a um calor estranho, porém, aconchegante. todos os barulhos noturnos foram se tornando costumeiros, habituais, e do nada, abri os olhos, e vi que você estava do lado da fogueira que acendi. e a bela natureza conspirando: coloca logo sua lua mais cheia, a maior e mais brilhante, e tingiu o céu de um véu espesso e mais negro o possível, salpicando todas as estrelas, que podem. a maré se acalmou, mas ainda não sei o que pode vir com ela. e ainda não sei se ela está me lavando, me levando, me desgastando ou me polindo. fechei os olhos e sua mão estava em meu ombro. como se dissesse, que lugar é esse. não se vai agora. agora estamos aqui. mas antes de você era só silêncio. eram só os grãos correndo sem rumo pela praia. agora eles esbarram em nossos corpos, que estão a admirar o empurrar-puxar da água. tentando entender. e ao mesmo tempo sem entender. mas a água e areia começam a se entender. a areia começa a decantar. e começo a enxergar através do copo. eu não tinha pedido nada. não percebi e de repente, já havia me misturado. eram nossas águas, nossos grãos. nossos corpos, que de repente, se misturavam, e agora éramos um grão, só, a se deslizar na areia. em comunhão com o mundo. e abri os olhos, e percebi que não estava mais só. não existe mais silêncio. nossas vozes perfuram o vento, e a brisa rasga nossa garganta. e o tudo se é possível de se reparar, agora. as certezas, as dúvidas, como e onde começou, e dissolveu de uma maneira tão simples. nem pedi. nem esperei. nem imaginei. só e foram, levadas e puxadas pela água. e como ela se deita e se levanta na areia, se mistura, e com ela vai e volta, era isso de repente. nos apoiávamos um no outro, nos misturamos. fomos e voltamos. ainda somos o copo cheio de água e areia. mas agora vejo tudo mias claramente. porque abri os olhos. e lá estávamos. nós, água e areia. lavando ou se desgastando, levando e trazendo. existindo. sendo. sem buscar uma definição. só ouvindo o arranhar da ventania sobre a praia. eu deixei. eu baixei a guarda. e assim, a ilha foi habitada. e assim nos habitamos. o caos trouxe isso. e a fogueira ainda está acesa. e meus olhos abertos.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

sur les drogues.


desceu macio, desceu deslizando, tal qual uma pílula pequena, tal qual essas que a gente ingere quando se está doente de qualquer uma dessas doenças comuns que achamos que iremos nos curar nos automedicando. foi tão leve. nem pareceu aquele esforço que fazemos para engolir a seco, quando não se tem nada a dizer. ou quando se tem tanto a dizer, mas não se consegue. quando se tem tanto fardo, tantas coisas para se falar, mas não se sabe por onde. que quando começa a se estabelecer um fluxograma mental, tudo se perde. tal qual se entrar em um labirinto com uma corda. e perder ela em tal momento. mas me lembrei, que foi tão suave engolir essas palavras, que se eu as tivesse falado! ah, se eu tivesse falado! fico no ônibus, cabeça grudada na janela, vento arranhando meu rosto, me fazendo sentir mais sangue no rosto, e me pego lembrando: nossa, era para ter dito isso. ah, se eu tivesse feito isso. o que aconteceria se. se. e somente se. mas acredite, desceu macio, desceu deslizando, e dessa vez, já estava mais acostumado. engolir palavras não é fácil. não é um sorvete. mas algumas são tão boas. viciantes. dá até um orgulho quando as colocamos para fora. um alívio, chegando até mesmo um orgasmo. consegui falar. consegui colocar para fora. quase um ato pornográfico. uma obscenidade. consegui aguentar por tanto, e agora é hora de tirar todos os tapumes que vedavam as visões desse prédio que construí em minha cabeça e de certa forma materializei. porque eu sei, que tudo isso foi tão suave, tão macio, tão deslizante. assim foi na minha cabeça.como uma pastilha que se desmancha na boca. suave. aos poucos dá pra sentir o gosto na boca. arranhando a garganta, forte e em fluxo, tal qual a tragada de um cigarro. e tal qual fumaça, desliza suave. como cada palavra, cada gesto, cada ação, cada intenção que imagino. cada fluxograma que estabeleço se perde, se desmancha, macio, deslizando, dente por dente, mastigável, ingerido, digerido, repensado. quando se está doente, e se busca saber qual a causa da doença, busca na internet, em livros. se que saber a origem, a causa e a situação. eu não sei a origem, causa, situação desse gosto agridoce, ácido, doce, estranho, seco, estalante de tudo o que sinto. de todas as ideias, de todo o fluxograma, de todo o labirinto. minha cabeça ainda está grudada na janela, e ainda estou sentindo. além do gosto tinto e roxo desse vinho, da fumaça seca, tem um gosto a mais. de algo guardado. de algo imaginado. algo macio, algo que desliza, tal qual uma pílula pequena, que a gente insere no corpo para acordar de algum frenesi que a atualidade nos impregna. que nem estivesse diante de drogas. me automedicando.