quarta-feira, 26 de setembro de 2018

bohème délirant


A cada copo eu sei que é algo que estarei diluindo de forma drástica. Irei finalmente falar. Sobre a vida, sobre as pessoas. Sobre a vida das pessoas. E a cada trago, uma lufada para longe. Um pedaço que vai embora, uma brasa acendida na alma. Mais um copo. Pra que copo. Entorne. Uma garrafa. Um ardor no peito, uma rasgada na garganta. Cada movimento mais lento. Pra que pressa na vida. Pra que. Se tudo parece estar congelado nessa hora. Os traços dos ponteiros dançam no círculo fechado por vidro no pulso de sua mão. É isso. E ao abrir a boca para soltar, sai tudo. Saem palavras, saem risos, saem coisas sem pensar. A secura na boca, um estalado de língua. Essa foi forte. O gosto que fica é a vontade de mais. De secar garrafas, zerar carteiras. Mais e mais, e assim vem mais uma. O que estou diluindo a essa hora. O que estou destilando a cada segundo. Tudo convergiu para agora. Nessa mesa, nesse bar. A sensação de estar preso e de repente querer dançar. As correntes invisíveis caíram por terra. As vendas agora estão nos bancos. Enxergo, escuto, sinto. Tudo mais claro, mais audível, mais perceptível. O mundo é intensidade, é insanidade, é bem mais que uma cidade. Bem mais que esses copos. Até que amargue, até que apague.

veilleuse.


Acertou-me em cheio, no meio da madrugada, como um soco no estômago, um par de mãos em torno de minha traqueia, pressionando, estrangulando. O ar foi embora, e os olhos arregalam-se. Uma estranha sensação de estar fora da realidade, de estar alheio ao mundo. Um pânico, uma dúvida. Um clarão no meio da noite. Sussurrando coisas. Coisas. Te causam até misofonia. O que são, de onde em. Porque roubaram minha paz? Estava aqui só a tentar dormir. Porque me acordaste, coisas incompreensíveis? Mas veio sem se saber da onde e instalou-se me em minha cabeça, me empurrando várias vezes em meus lençóis. Um clarão na noite. Um pensamento não direcionado, uma dúvida sem resposta, uma palavra que explica tudo, mas não é encontrada. Pistas para decifrar algo que ainda não foi descoberto, mas quem sabe ao deixá-la ali, faça sentido mais tarde. Mas tira-me o sono, me coloca em rotações constantes e ininterruptas na cama, várias tentativas de amassar o travesseiro. Foi um golpe seco, sorrateiro, sem previsão. O que se faz quando acorda assim? Quando as coisas vem martelar sua cabeça, quando uma dor aperta teu peito e o tambor das batidas do teu coração tornam-se altos, descompassados? Quando o cansaço lhe devora, e mesmo te consumindo, não te deixa fechar o olhos sem querer abri-los daqui a cinco minutos? O suor da testa tenta ser enxugado por mãos também suadas, os olhos ardem e a única coisa a brilhar na noite são os trovões. Um clarão na noite. Dois. Um no céu e outro na sua cabeça. Uma centelha, desesperada por respostas. Que propaga-se em meio ao ar seco e duvidoso da madrugada. Respostas.

créer la mer.

Tem dias que percebo que me falta algo, e não consigo descrever o que seja. è quase que como se fosse um espinho, que se aloja na pele sem você perceber, mas quando lhe inflama, é que você se dá conta. Dia desses eu parei pra perceber que é saudade. Dizem por aí, que fulano "morreu de saudades". Nossa, estou morrendo de saudades de você. Mal sabem que saudade não mata. Adoece, enfraquece. Entristece. faz o vazio ser enaltecido. Faz nos apegarmos a ilusões tênues, a vislumbres rápidos de uma alegria momentânea, similar ao que queríamos que ocupasse esse vazio. Faz suas palavras irem sumindo, na tentativa de explicar o que é, deixando apenas um seco na boca, um nó na garganta e as palavras "não sei explicar" são as únicas audíveis.O que te faz falta? O que te move a um estado de inquietude e incômodo? Eu sinto falta do mar. Sinto falta da areia, que hora incomoda, hora se compacta com a água e fica dura e firme. Sinto falta do vento quente que aos poucos, empurrado pelo escurecer, torna-se frio, e vem acariciar e rasgar a pele, te lembrando que anoiteceu. Sinto falta do céu brincando com suas cores, com seus laranjas, rosas, amarelos, quando ele, sol, se despede, sempre me dando aquela impressão que ele está se afogando na água, e por isso o mundo se enluta e fica o céu preto. O silêncio que se instala quando você olha o puxar e empurrar das ondas, e a quantidade de metáforas coisas duais que se passam na sua mente quando você olha pras ondas. Lá e aculá. Ir e vir. Puxar e empurrar. Yin e yang. Tudo e nada. Vazio e cheio. Todo e partes. Seco e molhado. Ter e não ter. Ser e não ser. Ir e vir. Puxar e empurrar. E assim ir levando tudo. Hora suave, hora rude. Hora se compactando, hora se desfazendo. Em grãos, em muitos deles.
Decidi parar e criar o mar. Criar o barulho da concha no ouvido, o assobio interrupto da brisa, quando você não fecha totalmente a janela, e ele insiste em querer entrar. Quero refazer os grãos que insistem em grudar na pele quando molhada, a saliva seca e pele molhada, quando se para e olha para frente. Quero refazer tudo. Criar o mar para mi, que me falta nos dias. Nos dias quentes, sem graça, quando a única vontade é de ficar d emolho na água. Quero criar o sal que salga nossa pele, que se aloja na sua pele sem você perceber, e de repente você repara em casa que era a saudade de estar ali. De se deparar com o silêncio que se instala quando você fecha os olhos, mas sabe que independente de sua visão ter sido privada, o céu irá brincar de cores, a maré irá brincar de empurrar e puxar até chegar em você, sentado na areia.Com um seco na boca, um nó na garganta sendo desfeito, e você perto de saber o porque. Perto de conseguir explicar. Prestes a perceber que você quer criar o mar para si. E que a areia sempre estará lá. Para que você possa se sentar, ver o sol se afogar na água, e você, parar para pensar. Para tentar explicar. Tentar. Ver o que lhe falta. Se é o sal, mar e areia. Ou se era a saudade de sentir saudade disso.