segunda-feira, 29 de julho de 2019

alors laissez la rivière couler.

Aos poucos, foi afastando o cascalho e começou a emergir. No principio, turva e sem direção, a água direcionava-se sem direção para tudo aquilo que estivesse na superfície e permitisse ela se esparramar. Um alívio. Finalmente as emoções afloraram e romperam quase que como um lacre que existia antes no peito, um invólucro por mim antes colocado. As água do que sinto estavam prontas para sobressaírem, e estive extasiado nesse gênese de um provável universo. Tanto que esqueci como essas águas sairiam. Seriam elas turbulentas ao ponto de causarem enxurradas, carregando tudo ao alcance? Seriam elas águas calmas, silenciosas e que percorreriam vagarosamente as pedras, saboreando o deslizar suave e penetrantes em cada poro das rochas? Como essas águas sairiam do reservatório? O que poderia acontecer? Mas elas haviam saído, aos poucos e começando a emergir, sem direção, e direcionando-se rumo ao desconhecido.
deixe as águas fluirem.
e sem pretensão, sem grandes planos, segui sinuosamente cada pedra que estava ali antes, cada pedra que havia sido colocada; ou por mim ou pelos os outros. E ao sair da sombra das árvores, o sol refletiu em minhas águas e pude me ver, tortuosamente na lâmina d´água. Ali estava mais um forasteiro, pronto a encarar um risco de ver suas águas a se misturarem com outras. Era isso que ele desejava. Sim, desejava, no íntimo, ter suas águas misturadas. O pós início foi confuso e turvo, mas agora que se havia estabelecido um ritmo, era isso que cada gota queria. O desaguar em um um mundo nu, limpo. Nem tanto. Pedras ali haviam. Nem todas permitiam a entrada de agua. Algumas a barravam. Outras a desviavam. O próprio fluido duvidou de si mesmo. Será que era essa direção? Será que era isso que era o desejo ardente, aquele despertado na nascente do meu percurso? O que era tudo isso? Mas de repente o caminho subiu. As serras, o frio chegaram. Do alto dava para se ver melhor algumas coisas. E finalmente as águas se confrontaram. E para grande surpresa, elas deslizaram uma pela outra...e pararam. Era esse contato. Era uma sensação nova. A água precisou parar um pouco. Precisava diluir certas emoções. Precisava desse toque. Era algo novo, era algo simples. Mas quase que elétrico. Poderoso. as descargas correram por essa conexão, e de repente, me senti a dois. Me senti carregado, uma carga forte. Um relâmpago clareou as rochas, outrora nuas: minhas águas encontram um leito novo. Um novo braço de águas que jamais imaginei antes.
deixe as águas repousarem.
e assim, as águas desceram a serra. Com clarões de dúvidas e incertezas na cabeça. Um novo mundo fora descoberto, mas não se sabia o que fazer com essa descoberta. O que eu queria, o que você queria. O que seria, como seria. As frases começaram a dançar em torno da palavra"se", uma legião de ideias recheadas de possibilidades. Esse batalhão vinha visitar na calada da noite minhas águas, e ao banharem-se nelas, espalhava palavras, lembranças, toques, olhares. O que estava acontecendo com minhas águas? A mistura estava estabelecida, mas hora sedimentava-se, hora estava turva, tal qual nem a luz entrava. Das margens só se via aquele enovelar de águas, seguindo, deslizando, se batendo contra pedras, árvores e tocos, com uma força diferente. O fluxo lento, estreito e tímido se avolumara após a descida da serra. O caminho se alargara, as águas corriam fortes, velozes. E começaram a despencar. Sem saber o que teria lá embaixo, ao tocar a superfície de novo. E essa queda livre, o contato com o ar permitiu uma pausa. O que eu quero. O que eu vejo. O que você quer. O que você vê. Essas misturas podem seguir? O que será agora, que finalmente o clarão passou, o céu se abriu e as dúvidas emergiram diferentes, transformadas, agora em certezas, em firmeza, pronta para romper todo e qualquer dique que se transpusesse entre nós?
deixe as águas caírem.
e na queda houve o encontro. O despencar rumo ao desconhecido. E de forma nervosa, inquieta, veio assim. Os fluidos se misturaram mais intensos. O gosto foi forte, intenso. Na margem daria para se ver bem. A colisão foi frontal, e teve um impacto. Os clarões se revolveram na cabeça, e os arrepios irromperam em toda a superfície. E o revolver enlouquecido das águas revelaram um novo curso. As possibilidades se afirmaram e se transformaram. O rio que nasceu por acaso, seguu sem rumo e sem propósito, agora havia encontrado um novo caminho. O percurso precisou estancar em um ponto, revolvendo e quase parando, para se ter certeza de seu fluxo, para poder se afirmar em cada gota, seguir, submergir e preencher. Não era assim que imaginei nada. Não era assim que imaginei o curso de minhas águas. Mas agora estava repleto de uma certeza. A conexão do primeiro toque. A descarga elétrica que percorreu todas nossas águas. Agora não poderia mais falar usando o nome eu. Agora éramos nós. Nossas águas.
deixe o rio nos levar.
e nossas águas seguiram, até se misturarem e se depararem com um gosto salgado das diferenças.Nossos volumes, nossas cargas começaram a encontrar pontos desiguais e iniciram as primeiras perturbações. O ambiente todo percebeu. Mudanças pelo caminho. O novo sempre provoca e chama ao seu dispor, inquietações. Somos diferentes. A certeza de nosso curso, começoua se balançar com o empurrar e puxar das águas salobras. As adaptações estavam vindo. As provocações desse novo caminho estavam se firmando. Mais dúvidas, maior conhecimento. A percepção das águas subterrâneas. Do eu mais profundo e íntimo, foram conhecidas. Banhamos um nas águas mais internas um do outro. Dançamos com o gotejar incessante das conversas. Desfrutamos cada gota que despencava um do outro, em nossas direções. O sol veio e nos banhou. Nos aqueceu. E no vapor das emoções, no vapor de cada sensaação, caímos novamente. Precisávamos desse banho. Precisávamos lavar a alma. Precisávamos chover. Renovar as águas. Para poder seguir. Para evitar águas acumuladas. Nosso volume de águas tinha que vencer esses obstáculos. Precisava seguir. Para onde? O universo em nossa frente é imenso. Precisávamos ter mais percepção de nossas águas. De nossas forças. Mas cada mólecula de meu ser ainda sente a eletricidade que senti de imediato no início, no firmar de nossas águas. Estamos prontos para nossa imensidão. Estamos prontos para que nossas águas se espalhem, e se abram, não mais apenas como rio, mas como uma vastidão de águas a se perder no horizonte.
deixe o rio desaguar.
Somos um. Agora somos oceano. Aos poucos, se afastando da costa, começamos a emergir. Finalmente as emoções afloraram e romperam tantas coisas, saíram pequeninas do peito e engrandeceram-se pelo caminho. Agora somos oceano. Sejamos não mais uma mistura. Sejamos um só. Um só líquido. Para desaguar e deleitar-se nas areias de um mundo novo. Um novo litoral Para podermos nos banhar em nossas águas. Ver o sol cair. E catar conchas. Deixemos nossa água seguir. O universo é toda uma extensão nossa. Vamos aproveitar a vida, meu bem.